AS OFERTAS NO VELHO TESTAMENTO ( Parte 2 )
A OFERTA DE MANJARES (2:1-16)
Como o holocausto, a oferta de manjares era uma dádiva voluntária a Deus que visava promover ou obter Seu favor. Embora esta seção trate de um sacrifício vegetal em contraste com um animal, a motivação subjacente é idêntica .
Nepes reflete consistentemente a individualidade e, portanto, deve ser traduzida por “pessoa” ou “próprio-eu” especialmente em Mateus 16:26; Marcos 8:37, onde Cristo pergunta o que uma pessoa se propõe a dar em troca da sua identidade-própria. Desta maneira, o caráter semítico de nepes é mantido, e a contaminação de formas platônicas de pensamento grego, e outras semelhantes, com sua
dicotomia resultante entre “corpo” e “alma”, é evitada. A oferta de manjares (minhâ) era de grãos nativos, e é considerada aqui uma oferta separada, embora freqüentemente formasse uma parte regular do holocausto (cf. Nm 15:1-16). 0 termo minha significa em geral uma " dádiva " seja como expressão de reverência (Jz 6:19; 1 Sm 10:27), de gratidão (SI 96:8), de homenagem (Gn32:14;43:11, 15, 25) ou de lealdade (2 Sm 8:2, 6; 2 Cr 17:11). Na terminologia sacrificial sempre parece ter tido este sentido lato de “dádiva,” como nas referências vétero-testamentárias que abrangiam tanto animais como vegetais.( Gênesis 4:3-5)
Talvez a natureza primitiva da "minhâ "explique o lugar especial que ocupa no começo da tarifa sacrificial de Levítico. Já nos tempos de Moisés, o termo ficara restrito a ofertas de
cereais ou vegetais, i.é, as de natureza insanguínea.
A matéria em questão era cevada ou trigo, moído de modo grosseiro e, segundo as autoridades talmúdicas era oferecido como sacrifício independente somente por uma pessoa muito pobre. Mas mesmo neste caso, a motivação era a consideração suprema, e acreditava-se que Deus considerava semelhante oferta como se a pessoa tivesse dado seu próprio-eu (nepes). Da mesma maneira, Cristo levou em conta a motivação que subjazia.
A dedicação total do indivíduo e dos seus recursos é o tipo de sacrifício que Deus mais deseja (SI 40:7; Hb 10:7). O azeite era usado comumente pelo povo do Oriente Próximo antigo na cozinha, como agente para enriquecer bolos, e como meio de ligar a farinha grosseiramente moída do cereal. Como os grãos, o azeite era um produto da labuta humana, de modo que a oferta de manjares simbolizava a dedicação da obra do homem a Deus. Incenso (fbònâ), era uma resina balsâmica obtida de espécies de arbustos que pertenciam ao gênero Boswellia. Não é certo se o incenso era produzido na Palestina, e se " carterii "era o único incenso usado pelos hebreus, deve ter sido importado de Seba. O incenso simbolizava a santidade e a devoção (cf. SI 141:2), e era uma das dádivas apresentadas ao infante Jesus pelos reis magos (Mt 2:11). Porque a oferta sacrificial visava obter a boa vontade, o incenso devia ser colocado sobre o cereal moído, em contraste com o procedimento requerido para uma oferta pelo pecado (5:11), sendo que neste caso era proibido o uso do incenso.
Tendo misturado a oferta, o adorador a apresentava ao sacerdote,que assegurava-se de que todo o incenso estava incluído. Esta era a porção memorial ( ’azkárâ), termo este com significado incerto,usado consistentemente com aquela parte da oferta de manjares que era consumida pelo fogo (cf. 5:12; 6:8; Nm 5:26).
Uma sugestão mais provável liga o olíbano como uma das quatro partes constituintes do incenso (Êx 30:34) oferecido diariamente pelo sacerdote na hora da oração. Numa época posterior, os Salmos 38
e 70 tinham alguma conexão com a porção memorial, e é bem provável que nos dias do Templo, uma ou outra destas composições fosse recitada pelo adorador quando uma porção memorial estava sendo oferecida.
Em Atos 10:4 as orações e as esmolas do centurião devoto Cornélio foram descritas pelo mensageiro divino que o visitava como tendo subido “para memória diante de Deus.”A intenção da oferta era engendrar sentimentos positivos (“aroma agradável”) da parte de Deus para com o adorador. A seção anterior tratara de uma oferta de grãos crus, sem dúvida o tipo mais primitivo de oferta de manjares, e, portanto, colocada de modo apropriado neste capítulo. Formas subseqüentes consistiam
em massa achatada pela mão e depois cozida, ou numa rocha quente,ou dentro de Um fogão aquecido ou um forno. O pão resultante era uma oferta de farinha assada da maneira familiar na Palestina desde a Idade do Bronze Antigo, e ainda segundo o uso dos camponeses árabes. Mais uma vez, até mesmo a mais pobre das pessoas poderia oferecer um bolo de forma achatada, ou uma obreia, feitos em casa, como um sacrifício a Deus, e chegar a conhecê-Lo mais plenamente no partir do pão (cf. Lc
24:35). Os bolos asmos provavelmente seriam mais grossos do que as obreias, sendo que estas talvez correspondam aos pães asmos usados pelos judeus atuais na festa da Páscoa.
A oferta de manjares também poderia ser preparada numa assadeira tanto como num forno ou num fogão portátil. A assadeira (malfbat)poderia ser feita comumente da matéria cerâmica, mas na Idade do Bronze Médio (c. de 1950-1550 a.C.) os hebreus mais afluentes estariam usando assadeiras de cobre para panquecas. Na monarquia, no começo da Idade do Feno na Palestina, algumas famílias da classe média até mesmo possuiriam uma assadeira de ferro (cf. Ez 4:3,),10 embora ainda estariam um pouco caras. Instruções acerca do quebrar em pedaços são dadas apenas nesta forma da oferta de manjares. Esta forma talvez visasse servir como o equivalente dos procedimentos mencionados em Levítico 1:6, onde a oferta era cortada em pedaços pequenos. O partir do pão ministra na vida normal às necessidades tanto físicas quanto sociais dentro do contexto de uma refeição,seja entre os membros da família, seja com os amigos.A ênfase dada à
qualidade santa da oferta é significante, visto que, para ser verdadeiramente
aceitável, o sacrifício consagrado a Deus pelo ofertante deve ter
como acompanhante a intenção de viver uma vida igualmente santa e consagrada.
O termo “santo” não subentende a mera dedicação ao serviço de uma divindade tal como era entendida entre os cananitas pagãos pelo uso da palavra qudsu (“prostituta”), mas, sim, por contraste, denòta todas as altas qualidades morais è espirituais inerentes do Deus de Sinai que exige que Seu povo seja santo (qàdôsj, como Ele é santo (Lc 11:44;19:2; 20:7, etc.; 1 Pe 1:16; cf. 1 Ts 4:7). As ofertas de manjares feitas a Deus através do fogo eram consideradas coisa santíssima. Como meio de sustentar o sacerdócio, Deus permitiu que parte da oferta de manjares, bem como as ofertas pelos pecados (5:13) e pelo sacrilégio(7:6) fosse comida pelos Seus representantes escolhidos, e por eles somente.
Os adoradores, como contraste, podiam participar das ofertas votivas, voluntárias e de ações de graças (22:18-30).
As ofertas de manjares não deviam incluir levedura, sendo que esta última substância é proibida como parte de qualquer holocausto.
O mesmo também era verdade para o mel, o adocicante normal nos tempos antigos.
Tanto o fermento quanto o mel eram agentes de fermentação e, além disto, é possível que o termo
“mel” fosse usado como um eufemismo vétero-testamentário para uma ou outra forma de bebida fermentada. Talvez a proibição visasse evitar a interferência com a constituição natural das ofertas, que representavam os resultados da labuta honesta e, portanto, representariam o adorador de modo adequado como sendo receptivo e sem adorno na presença do Deus com quem tinha de tratar (cf. Hb. 4:13).
Não deve ser suposto que o fermento e o mel fossem impuros ou simbólicos do mal, visto que os dois faziam parte da oferta das primícias(cf. Êx 23:16-17; 34:22-23; Lv 23:17-18). Por atraente que seja
a sugestão de que o contraste entre o mel (“doce”) e a levedura (“azeda”)talvez seja um paralelo entre o bem e o mal, não parece ser sustentável na prática, mesmo por causa do lugar que o fermento ocupava nos rituais sacrificiais.'As primícias eram, na realidade, os “começos”da colheita, e a oferta de uma primeira porção simbólica a Deus simbolizava a dedicação da safra inteira a Ele, o Doador de todas as coisas boas.'
Todas as ofertas de manjares deviam ser acompanhadas com sal. A ação uniformemente preservativa e adstringente deste mineral tipificava a permanência e a pureza, como a “aliança de sal” (Nm 18:19;
2 Cr 13:5) ou no método no Oriente Próximo de estabelecer um vínculo de amizade por meio de comer sal. Embora o crente possa ser considerado legitimamente “o sal da terra” (Mt 5:13), é possível para tal pessoa perder a qualidade distintiva da fé e do testemunho, modificando,assim, o caráter, a permanência e a integridade do testemunho cristão individual ao mundo. Paulo conclama o crente a ter sua palavra “temperada com sal” (Cl 4:6), ou seja, temperada pelo bom-senso.
A oferta de manjares das primícias (NEB “oferta de grãos dos primeiros grãos maduros”) consistia em espigas tostadas de grãos verdes, um item comum de alimento entre os pobres. Depois de tostado;
o cereal era esmagado para formar uma farinha grosseira, e apresentado como oferta com o acréscimo de azeite e incenso (cf. 2:2). Os cereais e o azeite eram dois dos três ingredientes básicos da dieta hebréia antiga(cf. Dt 12:17): logo, esta oferta, juntamente com uma libação de vinho que não é mencionada aqui, representaria a apresentação do alimento diário do homem aò Criador. A oração de Davi (1 Cr 29:14) reconhecia que era correto fazer tais ofertas a Deus, mas no Salmo 40:6-8, comumente atribuído a Davi, mostra-se claramente que Deus deseja a obediência
sincera e entusiástica à Sua vontade mais do que os sacrifícios e as ofertas de manjares. Os elementos do vinho e do azeite na dieta hebraica ás vezes são simbolicamente associados com a alegria e o gozo (cf. SI 104:15; Is 61:3; Hb 1:9).
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